8.17.2012

O último dia

(Escrevi isto o ano passado, é só uma história)

"Olá Joana,
Hoje vou ter a exibição mais importante da minha vida. Hoje vai decidir-se o meu futuro no ballet, se fico por aqui ou se começa aqui uma nova vida. Hoje faço 16 anos, como presente os meus pais vão juntos, pela primeira vez, ver-me atuar.

Com carinho, Inês."

Lembras-te disto? Não cabia em mim de tão feliz, era o concretizar de todos os meus sonhos, ver os meus pais juntos outra vez, poder orgulhá-los e tornar-me uma verdadeira bailarina. Mas só hoje, um ano depois, ganhei coragem para te voltar a escrever e contar-te o dia mais marcante da minha vida. Se eu pudesse optar sabendo o que o destino me reservava, apesar de todos aqueles meses de treino, de esforça, dedicação, mesmo depois de todas as horas por dormir, eu não teria ido!
O ballet nasceu comigo, desde que me lembro saía da escola todos os dias com uma ansiedade tal que só se extinguia ao chegar, ver a professora e dar ínicio à aula. O ballet era a minha grande paixão, ano após ano multiplicavam-se as horas que lhe dedicava, quer em casa ou na rua, o ritmo estava no meu corpo e ninguém podia arrancá-lo de mim. Dediquei-me de corpo e alma, ao começar a dançar a música tomava conta de mim e tudo o resto se esvaía nos movimentos delicados que o ballet exige. Nunca tive outro sonho senão o de percorrer o mundo mostrando a magia da minha arte, alcançando todas as vitórias que me fossem proporcionadas. Trabalhei durante meses, superei todos os meus fracassos, desde o sentimento de frustração à euforia da vitória. Faltavam poucos dias e parecia que estava num filme, onde todos terminam com um final feliz. Os meus pais que se tinham separado à dois anos estavam novamente juntos e o afastamento que guardavam comigo parecia extinguir-se aos poucos. Sendo que em qualquer um dos meus espectáculos estavam dois espaços vazios, envoltos em esperança e desilusão. Os aniversários eram passados longe deles, ao chegar a casa não tinha quem corresse para mim e me fizesse as típicas perguntas de demonstração de afecto, nem as mais simples. Mas eu sentia que naqueles dia tudo estava prestes a mudar, aqueles dois espaços não voltariam a estar vazios. E isso era mais do que a minha pobre ilusão, desta vez era realidade. Os meus pais iam mesmo estar lá para me aplaudir!
Ali, com eles no carro, prontos a partir só faltavas tu. Mas não consigo verbalizar a magia daquele momento que depressa se dissolveu em dolorosas memórias. Tínhamos esacassos minutos para chegar ao outro lado da cidade a tempo. Cantarolávamos no carro, o meu pai apressou-se para que nada naquele dia pudesse falhar. Até que outro carro se atravessou à nossa frente...
Tenho a recordação mais dura desse instante. Dei por mim nos braços de bombeiros, o som das ambulâncias era infernal, curiosos à volta tornavam tudo mais dificil. Antes de sair do carro a mãe agarrou a minha mão levemente, com a força que lhe era permitida pelo seu estado débil, sussurrou um doce "amo-te, meu anjo", envolvida em sangue e dor. Poucos instantes depois, aos cuidados dos enfermeiros, fui alertada por um sonoro grito de socorro, ao virar-me assisti à explosão do carro. Em segundos assombraram-me todos os pensamentos possíveis, quis destruí-los ao ser obrigada a desviar o olhar, mas nesse momento fui de novo assombrada pelos berros ensurdecedores da mãe. Não duraram muito, mas bastaram para hoje ecoarem na minha mais triste recordação daquilo que foram os meus pais. O rumo da minha vida alterou-se naquele que seria o dia mais feliz... Se aí em cima te cruzares com os pai, diz-lhe que eu os amo, mana.
 Com carinho, Inês.

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Kisses *C*